top of page
BANNER_PAGINA-INICIAL.png
Ativo 1_72x.png

Na aurora da vida, havia a água.

Uma fluidez movente deu contorno e textura a formas continentais. Banhou todo o globo, escondeu-se em seus interiores, habitando subterrâneos. O ar úmido possibilitou a existência da Terra e seus seres viventes.

​​

Poço, espelho, bruma, gelo.

​

Nuvens, vapores, neblinas. 

​

Em um movimento caleidoscópico de nuances e formas, a água se subverte e subverte o meio. Cabeças e pés e olhos d’água, braços de rio. Correntes serpenteantes, caminhos linguais, ou volumosas imensidões, sempre atraem corpos outros, feitos majoritariamente de si, a nadar, a navegar, nos arredores.

​

Seus meandros fazem NÓS descontínuos, fluidos, cambiantes que vão da gota à formação dos mares e oceanos. Acorda a percepção, carrega sentidos de unidade, cria confluências.

​

Quando a água encontra a terra, surgem possibilidades de existência e de coexistência, de fertilidade e fluidez para os diálogos com o Antropoceno.

​

Límpidas, as águas podem servir a Narciso. Podem cantar em cachoeira ou esconderem-se nos ocultos da mata.

​

Águas servem de caminho, mas também fazem afundar e dissolver. Seu maior aquário conduziu e conduz guerreiros e conquistadores, turistas e migrantes sem onde atracar. Entre abundância e escassez, inundam e fazem morrer de sede. Embriagam. Podem engolir terras e gentes, em um afundamento contínuo de territórios.

​

Trans.pi.rar. Secretar pelos poros, suar. Deixar surgir, transparecer, exalar. Do corpo humano aos corpos hídricos, partículas sobem sorrateiras por capilaridade, afloram em sal e suor. É no transpirar da Amazônia que as chuvas que a fertilizaram retornam, em movimento oposto, para os céus, abrindo caminhos para o fazer chover em outras terras. Terras que sem esses corpos flutuantes seriam desertos. Água é dádiva.

​

Da gota ao arco-íris. Lágrima, suor, sangue, excremento. Placenta. A água e o corpo. A água é o corpo. Vida. Corpografias e corporeidades se fazem aquosas. Derretidas. 

​

Águas habitam imaginários. Águas turvas, águas férreas, águas limpas. A poesia das águas: embora circundados pelo Mediterrâneo, dizem que entre os gregos, não havia palavra para o azul. 

​

Arquiteturas e cidades são feitas de água. No urbanismo, virou lugar de fluxo. Diz um velho dicionário português que ruas simulam veios do rosto por onde escorrem lágrimas. No Barroco, a água mirou-se em espelho. No Modernismo, metamorfoseou-se, transparente, em vidro.

​

Com o cosmos e as memórias sonhadas, a água surge enquanto bênção e celebração. Água bem comum que se revela nos pactos com a espiritualidade. Mãe água. Irmã água. Entre os Yanomami, pertence ao sagrado. Eles dizem que os donos das águas são os espíritos das arraias, dos poraquês, das sucuris, dos jacarés e dos botos, que vivem todos na casa de Tëpërësiki, seu sogro, com o ser do arco-íris, Hokotori.

​

Águas habitadas permitem coexistências. Moradia dos peixes, dos crustáceos, dos corais. Ímãs para corpos outros, viventes, feitos majoritariamente de si, a nadar, a navegar; sabem, por outro lado, acolher ternamente mortos, espíritos, orixás e deuses.

​

Mas entre os que esperam lucro, é simples recurso. Sujas, tamponadas, apodrecem sufocadas em lixo. Águas são selvagens, porém, ora força motriz, ora insubmissas, enforcam-se em comportas, desaparecem na secura do pó e na força do fogo, são perfuradas verticalmente em quilômetros na busca de seus habitantes-fósseis.

​

Nas palavras de um poeta, a água que corre entre pedras é liberdade caçando jeito, desconsiderando o deszelo humano. Entre os enigmas do futuro, está a pergunta se sobreviveremos com ela. Mais intrigante ainda é a dúvida se   voltaremos a habitá-la amorosamente.

​

​

...

​

 

É com alegria que convidamos a todos para a segunda edição do Congresso Internacional Estudos da Paisagem. Enfatizando a possibilidade dos encontros, a palavra Nós, que também serviu de epítome do evento, se mostrou primeiramente como ligação entre pessoas e o mundo. Ao tratar de patrimônio, ou seja, o bem comum que nos liga enquanto humanidade, enfatizou-se as conexões. Agora, elas se liquidificam, pois abordaremos as águas, tema premente pelos desafios climáticos quando está em pauta a nossa sobrevivência, mas também pela força que trazem para o habitar, inclusive poeticamente.

 

Se na primeira edição, o Nós se constituiu entre telas, agora poderemos nos encontrar na cidade de Maceió, celebrando um tema universal, mas com forte tonalidade local. Maceió e seu estado, Alagoas, trazem nos seus nomes águas a serem tapadas, no veio ancestral, e a força lagunar, pelas trajetórias do latim. Sinalizando terras férteis ou praias mansas, mas também apontando para crimes ambientais, coloca-se como lugar privilegiado para discutirmos tal tema.

 

Se propusemos que erudição e saber popular comparecessem como forças do evento na sua primeira edição, novas conjugações serão apreciadas agora como por exemplo, a que associa ciência e arte. Mas também levanta-se a possibilidade de unir conhecimento e celebração. Portanto, um congresso que se permuta em festival.

 

Para isso, sairá por vezes das salas de estudo para se mover pela cidade. O guia: as águas. Compartilhar pelas águas é refletir sobre as formas compartilhadas de vida, sobre nós, a força da lua: todo o calendário do evento foi montado considerando o interlúdio entre os líquidos terrestres e os céus.

 

Se a pandemia exigiu o afastamento, a consciência de que cada vez mais habitamos uma casa comum, nos aproxima. Nós II será um congresso do nós-pronome, itinerante e festivo.

 

Diz-se que a festa, na Antiguidade, começava quando cessava o tempo do cotidiano. O trabalho era dirigido para construir a oportunidade da festa, momento em que a vida se apresenta em sua exuberância. A própria arte também era dirigida aos momentos especiais, nos quais se celebrava os deuses. Se hoje eles se afastam, é por eles que temos uma coleção universal de objetos estéticos que nos comovem.

 

Assim, é na força destes nós entre conhecer, encontrar, fazer ciência e celebrar experiências estéticas, que este congresso se realizará em festa. Um festejo que não foge nem mesmo a ser encerrado em um dançar sob a luz da lua cheia.​​

​

Guiados pelo movimento incessante das águas, o II Congresso Internacional Estudos da Paisagem apresenta quatro fluxos temáticos de submissão de trabalhos:

​

1. Águas Poéticas: estéticas, corpos e subjetividades

2. Águas Sagradas: memória e celebração

3. Águas e Catástrofes: dor e destruição

4. Águas Ocultas: embates e coexistência

bottom of page